A resistência do solo: diálogos e narrativas da terra no Alto Alentejo

Abstract

Uma mistura específica de barros que oferecia resistência ao fogo e ao choque atribuiu à olaria utilitária da Flor da Rosa a apreciada característica da durabilidade. Durante séculos, esse barro fez desta aldeia um reconhecido centro oleiro. No entanto, nos últimos anos, os poucos oleiros em atividade substituíram o barro local pelo industrial, facto que nos pode fazer questionar se a louça ali produzida não terá perdido as suas características essenciais, pois estas advinham daquela específica mistura de barros. Pela mesma razão, podemos questionar se a louça deveria voltar a ser produzida com o resistente barro presente no solo local. Antes de tentar responder a questões como estas, fez-se necessário ampliar o questionamento. O artesanato é habitualmente visto como algo inofensivo ao meio-ambiente; no entanto, desde há milhares de anos e à volta do globo, através do fogo da olaria, temos transformado o solo fértil e os organismos vivos que nele habitam em matéria morta. Para refletir sobre a relação entre o humano e os materiais naturais, esta investigação propõe dar atenção não apenas às pessoas mas também àquilo que o solo nos tem a dizer. Mas para isso podemos assumir que o solo fala? Se sim, o que nos diz o solo? A partir destas questões e como parte desta investigação-ação, desenvolveu-se um projeto artístico com as pessoas ligadas à aldeia de Flor da Rosa, que não sugere nem a continuidade da produção de louça utilitária, nem a desistência desta, mas tenta antes ouvir a voz do solo para, a partir daí, contribuir com novas reflexões e perceções sobre a relação das pessoas com a terra.

A specific mixture of clays that offered resistance to fire and shock gave the utilitarian pottery of Flor da Rosa the appreciated characteristic of durability. For centuries, it made this village a renowned pottery center. However, in recent years, the few potters who have continued to work have replaced the local clay with industrial clay, a fact that makes us wonder if the pottery produced there hasn't lost its essential characteristics, since they came from that specific mixture of clays. For the same reason, we can question whether the earthenware should be produced again with the resistant clay present in the local soil. Before trying to answer questions like these, it was necessary to broaden the questioning. Handicrafts are usually seen as harmless to the environment, yet for thousands of years we have been transforming fertile soil and the living organisms that inhabit it into dead matter all over the globe through the firing of pottery. In order to reflect on the relationship between humans and natural materials, this research proposes paying attention not only to people but also to what the soil has to tell us. But can we assume that the soil speaks? If so, what does the soil tell us? Based on these questions and as part of this investigation, an artistic project was developed together with the people linked to Flor da Rosa, which neither suggests continuing to produce utilitarian crockery nor giving up, but rather tries to listen to the voice of the soil in order to contribute new reflections and perceptions about people's relationship with the land.