5 anos depois, implementação, impactos e desafios da Lei n.º 38/2018 de 7 de agosto

Abstract

Os direitos humanos das pessoas trans e intersexo só recentemente passaram a ser uma preocupação de entidades internacionais e nacionais. Em Portugal, a publicação da Lei n.º 38/2018, de 7 de agosto, veio reconhecer juridicamente o “direito à autodeterminação da identidade de género e expressão de género e o direito à proteção das características sexuais”. No entanto, apesar da Lei ter introduzido mudanças positivas, permanecem alguns obstáculos e dificuldades na sua aplicação, especificamente no que diz respeito a pessoas trans e intersexo. Atendendo à importância do tema, através do presente estudo pretendeu-se analisar os principais impactos e desafios da Lei n.º 38/2018, na vida das pessoas trans e intersexo, e dessa forma compreender o contributo desta Lei nos primeiros 5 anos da sua implementação para a garantia dos direitos humanos destas pessoas. Definiu-se como pergunta de partida: “Para as pessoas trans e para as pessoas intersexo, quais as áreas onde se verificaram os impactos e desafios da Lei n.º 38/2018, de 7 de agosto?”. Como metodologia, neste estudo exploratório foram realizadas 12 entrevistas a organizações da sociedade civil representantes de pessoas trans e intersexo e recolhidos dados quantitativos de documentação complementar – queixas/pedidos de informação recebidos pela Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género e registos de mudanças de menção ao sexo entre 2018 e 2023. Os dados recolhidos foram analisados através de análise de conteúdo e estatística descritiva, respetivamente. A análise de conteúdo das entrevistas permitiu perceber que as organizações participantes identificaram como aspetos menos positivos, a dificuldade de aplicação prática da Lei, tendo contribuído para isso sobretudo a falta de formação sobre a Lei e matérias de Orientação sexual, Identidade e Expressão de género e Características sexuais, assim como a necessidade de implementar medidas que promovam um maior conhecimento e/ou clarificação da Lei, a definição de competências e o cumprimento das obrigações pelas entidades responsáveis. Como aspetos positivos, evidencia-se a contribuição da Lei para um melhor reconhecimento jurídico e social das pessoas trans e intersexo, e um dos aspetos mais positivos foi a despatologização de pessoas trans. O destaque das entidades é direcionado para a utilização do nome autoatribuído como aspeto fundamental de garantia da autodeterminação da identidade e expressão de género, apresentando também a Lei como uma ferramenta de empoderamento das pessoas e suas famílias. Os dados recolhidos das queixas recebidas pela Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género são em maior número nos setores da Comunicação Social, seguindo-se o setor da Saúde, Acesso a Bens e Serviços, Ensino Superior e Trabalho. Relativamente aos pedidos de esclarecimento, foram no sentido de uma maior informação sobre procedimentos/operacionalização da Lei aplicada a diversas áreas, nomeadamente Educação e Saúde. Conclui-se que a Lei n.º 38/2018 representa um avanço importante para os direitos das pessoas trans e intersexo em Portugal, mas ainda há desafios a superar. O desconhecimento da Lei, a resistência cultural e a dificuldade de aplicação prática são alguns dos principais obstáculos. É necessário investir em medidas de formação e informação para garantir a plena efetividade da Lei.

The human rights of trans and intersex people have only recently become a concern for international and national entities. In Portugal, the publication of Law no. 38/2018, August 7, legally recognized the right to self-determination of gender identity and gender expression and the right to the protection of sexual characteristics. However, despite the Law having introduced positive changes, some obstacles and difficulties remain in its application, specifically with regard to trans and intersex people. Given the importance of the topic, this study aimed to analyze the main impacts and challenges of Law no. 38/2018, in the lives of trans and intersex people, and thus understand the contribution of this Law in the first 5 years of its existence to guarantee the human rights of these people. The starting question was defined as: “For trans people and intersex people, what are the areas where the impacts and challenges of Law no. 38/2018, August 7, were observed?” As a methodology, in this exploratory study, 12 interviews were carried out with civil society organizations representing trans and intersex people and quantitative data from complementary documentation was collected - complaints/requests for information received by the Commission for Citizenship and Gender Equality and records of changes in mention of sex between 2018 and 2023. The data collected was analyzed using content analysis and descriptive statistics, respectively. The content analysis of the interviews allowed us to understand that the participating organizations identified as less positive aspects, the difficulty of practical application of the Law, having contributed to this mainly the lack of training on the Law and matters of sexual Orientation, gender Identity and Expression and sexual Characteristics, as well as the need to implement measures that promote greater knowledge and/or clarification of the Law, the definition of competencies and compliance with obligations by responsible entities. As positive aspects, the Law's contribution to better legal and social recognition of trans and intersex people stands out, and one of the most positive aspects was the depathologization of trans people. The emphasis of the entities is focused on the use of the social name as a fundamental aspect of guaranteeing the selfdetermination of gender identity and expression, also presenting the Law as a tool for empowering people and their families. The data collected from complaints received by the Commission for Citizenship and Gender Equality are in greatest number in the Social Communication sectors, followed by the Health sector, Access to Goods and Services, Higher Education and Work. Regarding requests for clarification, they were aimed at providing more information on procedures/operationalization of the Law applied to various areas, namely Education and Health It is concluded that the Law no. 38/2018 represents an important advance for the rights of trans and intersex people in Portugal, but there are still challenges to overcome. Lack of knowledge on the Law, cultural resistance and difficulty in practical application are some of the main obstacles. It is necessary to invest in training and information measures to ensure the full effectiveness of the law.