As representações audiovisuais do ciborgue: conceptualização e teoria musical

Abstract

Esta tese explora a centralidade, as funções e a heterogeneidade estética do ciborgue enquanto um modo de expressão cultural. Através de representações audiovisuais produzidas na Europa, o ciborgue estabeleceu um diálogo com as transformações artísticas e digitais ocorridas entre 1999 e 2019. Desde a criação do termo em 1960, o ciborgue tem estado associado a uma série de figuras congéneres que circulam nas artes: autómatos, robôs, inteligências artificiais e os corpos humanos transformados por próteses tecnológicas. Com a consolidação da digitalização, o século XXI definiu-se por um período de circulação de narrativas utópicas e distópicas sobre as possibilidades e riscos das tecnologias computacionais. Nesse contexto, a significação do ciborgue através da música e das artes audiovisuais desempenhou um papel fundamental. Este trabalho examina 83 audiovisuais nos formatos de vídeo musical, videojogo, filmes, curtas-metragens, séries de televisão e streaming, e complementa-os com entrevistas, um inquérito e comentários do YouTube. O objetivo é compreender e relacionar as características estéticas presentes nesses conteúdos e os discursos dos agentes que os produzem e consomem. Essa seleção abrange equipas e estúdios associados a Portugal, Espanha, França, Alemanha, Reino Unido, Países Baixos e Rússia. Através de um quadro teórico-metodológico interdisciplinar, adaptado a uma abordagem sociomusicológica construtivista, mobiliza-se os dados para responder às questões: que funções os personagens, dispositivos e mediações tecnológicas exercem nas práticas de produção, disseminação e consumo de vídeos musicais? Que representações são propostas pelos audiovisuais europeus de ficção, e como os seus discursos e valores participam nos debates tecnoculturais das primeiras duas décadas do século XXI? Nesta investigação demonstra-se que o ciborgue não é apenas um tópico, mas também uma tipologia de figuras e um conjunto de estereótipos comunicativos que desempenham um papel atuante na forma como os músicos conduzem as suas carreiras, e na maneira como artistas e consumidores interpretam e debatem questões contemporâneas. Defende-se que o ciborgue é utilizado para construir personae artísticas, legitimar o valor dos músicos e criar distinções simbólicas em relação ao talento musical que têm para manusear tecnologias digitais. Além disso, serve como um instrumento interpretativo para os consumidores, permitindo-lhes julgar e analisar criativamente o percurso dos artistas, o estado das indústrias musicais e outros fenómenos socioculturais. O ciborgue é, por conseguinte, uma tecnologia social, conforme proposto por Michel Foucault, porque os criadores e recetores constroem a sua realidade ao utilizar essa figura para atribuir significados e valores a uma série de atividades, experiências e circunstâncias. O impacto cultural do ciborgue é particularmente evidente nos audiovisuais porque, com estas manifestações artísticas, participa ativamente na coprodução de discursos sobre a mediação tecnológica dos corpos, o poder e a agência da música, enquanto elementos que contribuem para a construção de identidades sociais. Na multiplicidade de propostas estéticas que definem este território, existem convenções identificáveis em nichos. As suas características foram responsáveis pela construção de literacias audiovisuais e expectativas associadas ao ciborgue. Nesta dissertação, exploram-se comunidades de gosto no YouTube que, através de determinados vídeos musicais, defendem a adequabilidade de certas músicas e géneros à representação do ciborgue e constroem novas narrativas, modificando os seus conteúdos.

This thesis explores the centrality, functions, and aesthetic heterogeneity of the cyborg as a mode of cultural expression. Through audiovisual representations produced in Europe, the cyborg has engaged in a dialogue with the artistic and digital transformations that occurred between 1999 and 2019. Since the coining of the term in 1960, the cyborg has been associated with a range of related figures circulating in the arts: automatons, robots, artificial intelligences, and human bodies transformed through prosthetics. With digital consolidation, the 21st century has been defined by a period of circulation of utopian and dystopian narratives about the possibilities and risks of computational technologies. In this context, the significance of the cyborg through music and audiovisual arts has played a crucial role. This work examines 83 audiovisuals across formats such as music videos, video games, films, short films, television series, and streaming. Additionally, it supplements these analyses with interviews, a survey, and YouTube comments. The goal is to understand and relate the aesthetic characteristics present in these contents and the discourses of the agents who produce and consume them. This selection encompasses artistic teams and studios associated with Portugal, Spain, France, Germany, the United Kingdom, the Netherlands, and Russia. Through an interdisciplinary theoretical-methodological framework adapted to a sociomusicological constructivist approach, the data is mobilized to answer the questions: What functions do characters, devices, and technological mediations serve in the production, dissemination, and consumption practices of music videos? What representations are proposed by European fictional audiovisuals, and how do their discourses and values contribute to the techno-cultural debates of the first two decades of the 21st century? This investigation demonstrates that cyborg is not merely a topic but also a typology of figures and a set of communicative stereotypes. The cyborg plays an active role in how musicians shape their careers and how artists and consumers interpret and debate contemporary issues. It is argued that the cyborg is used to construct artistic personae, legitimize the value of musicians, and create symbolic distinctions related to their talent in handling digital technologies. Furthermore, it serves as an interpretive tool for consumers, allowing them to judge and creatively analyze the trajectory of artists, the state of the music industries, and other sociocultural phenomena. The cyborg is therefore a social technology, in the terms in which it is proposed by Michel Foucault. The music participants construct their reality by using this figure to attribute meanings and values to a range of activities, experiences, and circumstances. The cultural impact of the cyborg is particularly evident in audiovisuals, where it actively participates in co-producing discourses about the technological mediation of bodies, power, and musical agency. These elements also contribute to the construction of social identities. Within the multitude of aesthetic proposals defining this territory, there are identifiable conventions within niches. These characteristics have played a role in shaping audiovisual literacies and the expectations associated with the cyborg. In this dissertation, we explore taste communities on YouTube that, through specific music videos, advocate for the suitability of certain music and genres in representing the cyborg, and construct new narratives, thereby modifying their content.