Competências Sintáticas em crianças com perturbações do espectro do autismo

Abstract

Esta investigação tem como objetivo estudar a aquisição e desenvolvimento de estruturas que envolvem movimento argumental (A), as passivas, movimento não argumental (A’), as interrogativas-wh sem restrição lexical e as relativas, de sujeito e de objeto, preposicionadas e não preposicionadas, e dependências referenciais, pronomes clíticos, reflexos e não reflexos, em crianças diagnosticadas com Perturbação do Espectro do Autismo (PEA), falantes de português-europeu, com e sem comprometimento cognitivo. As investigações já realizadas para outras línguas não são consensuais: há quem considere que a aquisição das estruturas sintáticas segue o mesmo padrão do verificado em crianças com desenvolvimento típico (DT), com as crianças com PEA a apresentarem um atraso relativamente a estas (Godwin et al, 2012; Durrleman, Marinis e Franck,2015), quem considere que as dificuldades estão relacionadas com as competências de QI não verbal e não com a idade (Durrleman, Marinis e Franck, 2015), quem tenha observado um desenvolvimento desviante e quem defenda que a performance linguística e o QI não verbal não estão relacionados (Prévost et al, 2018). Participaram neste estudo 27 crianças diagnosticadas com PEA e 44 controlos, entre os 6 e os 13 anos de idade, que foram divididos por duas faixas etárias: 6;00-9;11 e 10;00-13;11. Foram aplicadas quatro tarefas de seleção de imagens, três de produção induzida e uma tarefa de repetição. Os resultados obtidos sugerem que as crianças com PEA apresentam: 1) taxas médias de produção e compreensão das estruturas alvo mais baixas do que os controlos da mesma faixa etária; 2) dificuldades na produção e compreensão da estrutura passiva, produzindo poucas passivas e tendo apresentado, na tarefa de compreensão, dificuldades na atribuição do papel temático; 3) mais dificuldades na compreensão de passivas curtas agentivas do que longas agentivas, o que constitui uma situação desviante relativamente ao DT; 4) dificuldades nas estruturas que implicam movimento A’, nomeadamente nos contextos de interrogativas e relativas de sujeito, contextos que não estão sujeitos a efeitos de intervenção, o que parece indicar que não estamos apenas perante dificuldades decorrentes destes; 5) dificuldades na produção de clíticos, observando-se uma preferência pela produção de DP, situação que é compatível com dificuldades pragmáticas; 6) mais facilidade com a tarefa de repetição do que com as tarefas de produção induzida. Relativamente a uma possível relação entre o desempenho cognitivo e o desempenho linguístico, verificamos que: o grupo de QI Inferior apresentou taxas médias de acerto inferiores; os grupos com QI Médio e Superior obtiveram percentagens médias de acerto semelhantes, havendo situações em que o grupo de crianças com QI Médio demonstrou uma melhor performance. A análise dos resultados, tendo por base as competências linguísticas, revelou taxas médias de acerto inferiores nas crianças Com Perturbação, que apresentaram mais dificuldades na compreensão de interrogativas de sujeito, na compreensão de clíticos reflexos e não reflexos e em todos os contextos da estrutura passiva, à exceção das Longas Não Agentivas (contexto igualmente desafiante para ambos os grupos). Ainda que não totalmente conclusivos, tendo em conta a heterogeneidade da amostra, os resultados sugerem que o desempenho das crianças com PEA nestas construções sintáticas é menos influenciado pelo seu nível de desempenho cognitivo do que pelo seu nível global de desenvolvimento linguístico.

This research aims to study the acquisition and development of syntactic dependencies involving A movement (passives), A-bar movement (d-linked whquestions and relatives) and referential dependencies (clitic pronouns), in children diagnosed with Autism Spectrum Disorder (ASD), speakers of European Portuguese, with and without cognitive impairment. There is no agreement on the syntactic competencies of children with ASD in previous research conducted in other languages: some consider that the acquisition of syntactic structures follows the same pattern, although with a developmental delay, comparing to children with Typical Development (TD) (Godwin et al., 2012; Durrleman, Marinis & Franck, 2015); some consider that the difficulties are related to non-verbal IQ skills rather than age (Durrleman, Marinis & Franck, 2015); others observed a deviant pattern of development (Prévost et al., 2018); and some argue that linguistic performance and non-verbal IQ are not related (Prévost et al., 2018). In this study, a total of 27 children diagnosed with ASD and 44 controls, aged between 6 and 13 years, were included, divided into two age groups: 6;00-9;11 and 10;00-13;11. Four picture-selection tasks, three elicited production tasks and one sentence repetition task were administered. The results suggest that children with ASD present: 1) lower average rates of production and comprehension of target structures compared to controls of the same age group; 2) difficulties in the production and comprehension of passive structures, producing few passives and having difficulties with thematic role assignment; 3) more difficulties in comprehending short agentive passives than long agentive ones; 4) difficulties in structures involving A-bar movement, particularly in subject wh-questions and subject relative clauses, contexts not subject to intervention effects; 5) difficulties in clitic production, with a preference for DP production, a situation compatible with pragmatic difficulties; 6) and more difficulties with elicited production tasks than with the sentence repetition task. Regarding a possible correlation between cognitive and linguistic performance, we found that: the Lower IQ group had lower average accuracy rates; the Medium and Higher IQ groups obtained similar average accuracy percentages, with the Medium IQ group demonstrating occasionally a better performance. The analysis of results, based on linguistic skills, revealed lower average accuracy rates in children with ASD, who had more difficulties in the comprehension of subject wh-questions, of reflexive and non-reflexive clitics, and in all contexts of passive structure, except for long non-agentive passives (an equally challenging context for both groups). Although not entirely conclusive, considering the heterogeneity of ASD population, the results suggest that the performance of children with ASD in these syntactic structures is less influenced by their level of cognitive performance than by their overall level of linguistic development.