Policialização do processo contraordenacional: as forças de segurança enquanto autoridades administrativas

Abstract

A presente tese tem como objeto analisar o estatuto das forças de segurança no sistema contraordenacional (fiscalização e processo contraordenacional). Partindo de um conceito formal de forças de segurança, a investigação é alicerçada nas suas atribuições fundamentais – garantir as condições de segurança que permitam o exercício dos direitos e liberdades e o respeito pelas garantias dos cidadãos, bem como o pleno funcionamento das instituições democráticas, no respeito pela legalidade e pelos princípios do Estado de direito e garantir a ordem e a tranquilidade públicas e a segurança e a proteção das pessoas e dos bens. A ideia de fundo é investigar, por um lado, as implicações para estas forças e, consequentemente, para a proteção de valores sociais fundamentais e não fundamentais e inerente agravo para a Segurança, resultantes da consagração de competências processuais no domínio contraordenacional que extravasam o Regime Geral das Contraordenações. Por outro lado, tendo por base a natureza das sanções contraordenacionais, estabelecer uma correspondência com o conceito de sanções policiais, quando aquelas são processadas e aplicadas pelas forças de segurança, ou seja, onde se poderá observar uma policialização do processo contraordenacional. A necessidade de controlo da atividade do indivíduo na sociedade pelo Estado ditou o estabelecimento de regras de conduta, embora mutáveis ao longo dos tempos, materializando a sua autoridade social mais ou menos intensa em função de determinadas políticas. A presente investigação começa por apresentar os modelos de Estado e as suas políticas criminais conducentes à garantia da vivência harmoniosa, sobretudo perante a desobediência e concorrência de interesses, evidenciando o seu aparelho protetor – Leis, Tribunais e Administração. Nesta última, é decalcada a Polícia, enquanto garante do bloco de legalidade imposto aos administrados. Acompanhando-se o movimento de descriminalização resultante de uma hipertrofia do Direito Criminal, foi criada uma solução alternativa à punição de factos ilícitos de menor gravidade social através da instituição do ilícito de mera ordenação social, primeiramente na Alemanha e quase três décadas depois, no ordenamento jurídico nacional. Este ponto de viragem da política criminal nacional é analisado na presente tese, enquanto instrumento de cobertura sancionatória mais generalizado que o Direito Criminal e no qual as Polícias dispõem de um papel central. Estas têm sofrido mutações ao longo dos tempos decorrentes da própria evolução dos Estados, balanceando-se entre funções de prevenção e de salvaguarda da ordem pública e funções no âmbito do funcionamento do Executivo e Judiciário. Paralelamente, são responsáveis por garantir a conservação de um estado desejado de ordenação social, através da prevenção e fiscalização, seguindo as diretrizes do Estado constituindo a face visível da organização social, cuja atividade atualmente se subordina à Lei e ao Direito. É no processo de contraordenação que emerge o centro de gravidade da investigação. Este sistema legal de sancionamento público confiado à Administração, pretendendo repor de forma simplificada a legalidade violada pela prática da infração contraordenacional, convoca a participação de vários sujeitos, onde se destacam as autoridades administrativas. As Polícias e em particular, as forças de segurança, meros participantes processuais para efeitos do Regime Geral das Contraordenações, surgem em alguns diplomas como autoridades sancionatórias, deixando para segundo plano, o seu papel principal, a fiscalização. Nas contraordenações das atividades referentes a armas e explosivos, jogo ilícito, incêndios florestais, águas balneares, animais de companhia, náutica de recreio e resíduos, as forças de segurança são materialmente autoridades administrativas, verdadeiros sujeitos processuais, seguindo-se um modelo de concentração no processo contraordenacional, o que se traduz numa policialização do processo contraordenacional. Nas matérias das armas e incêndios florestais, chegam a dispor, inclusive, de competências reguladoras. Sendo as sanções contraordenacionais aplicadas por forças de segurança, tais decisões assumem a figura de sanções policiais que desequilibram o sistema e podem contender com as garantias dos administrados. Conclui-se que a GNR e PSP no plano funcional se desdobram em várias atribuições, sendo o sistema contraordenacional um desses encargos, pelo que devem ser expurgadas essas competências uma vez que é às autoridades – puramente – administrativas que compete o seu sancionamento. Tudo em prol da Segurança enquanto garantia da Liberdade e do direito a proteção policial. Do lado dos administrados, sobressai a vertente sociológica associada a este procedimento, tornando as sanções contraordenacionais aplicadas por estas forças verdadeiros corretivos policiais.

This thesis aims to analyze the status of security forces in the administrative offense system (supervision and administrative offense proceedings). Starting from a formal concept of security forces, the research is based on their fundamental attributions – ensuring the security conditions that granted allow for the exercise of rights and freedoms and respect for citizens guarantees, as well as the full functioning of democratic institutions, respecting legality in compliance with legality and the principles of the rule of law and guaranteeing public order and tranquility, as well as the safety and protection of people and property. The underlying idea is to investigate, on the one hand, the instances for these forces and, consequently, for the protection of fundamental and non-fundamental social values and inherently aggravation for Security, resulting from the consecration of procedural competences in the administrative offense domain that go beyond the General Regime of Administrative Offenses. On the other hand, based on the nature of administrative offense sanctions, to establish a correspondence with the concept of arresting, when those are processed and applied by the security forces, that is, where a policing of the administrative offense process can be observed. The need for the State to control the individual activity in society has dictated the establishment of conduct rules, although changeable over time, materializing its more or less intense social authority depending on certain policies. This research begins by presenting the models of the State and their criminal policies conducive to the guarantee of harmonious living, especially in the face of disobedience and competing interests, highlighting its protective apparatus – Laws, Courts and Administration. In the latter, the Police is modeled, as guarantor of the block of legality imposed on the administered. Following the decriminalization movement resulting from a hypertrophy of Criminal Law, an alternative solution to punishing less socially serious offenses was created through the institution of the mere social ordering illicit, first in Germany and almost three decades later, in the national legal system. This turning point in national criminal policy is analyzed in this thesis, as an instrument of sanctioning coverage that is more generalized than Criminal Law and in which the Police play a central role. Security forces have undergone changes over time due to the evolution of the States, balancing between prevention and safeguarding public order functions and functions within the Executive and Judiciary. Simultaneously, they are responsible for ensuring the conservation of a desired state of social order, through prevention and inspection, following the guidelines of the state, constituting the visible face of social organization, whose activity is currently subordinated to the Law and Right. It is in the administrative offense process that the research’s focal point emerges. This legal system of public sanctions entrusted to the Administration, intending to restore in a simplified way the legality violated by the practice of the administrative infraction, calls for the participation of several subjects, where the administrative authorities stand out. The Police and, in particular, security forces, are mere procedural participants for the purposes of the General Regime of Administrative Offenses, but in some diplomas they appear as sanctioning authorities, sidelining their primary role, which is supervision. In administrative offenses related to firearms and explosives, illegal gambling, forest fires, bathing waters, pets, recreational boating and waste, security forces are materially administrative authorities, true procedural subjects, following a concentration model in the administrative offense process, which translates into a policing of the administrative offense process. In the areas of firearms and forest fires, they even have regulatory competencies. Since administrative sanctions are applied by security forces, such decisions assume the role of police sanctions that unbalance the system and may conflict with the rights of the administered. To conclude, it is argued that the GNR and PSP, in their functional roles, have multiple assignments, with the administrative offense system being one of those responsibilities and, therefore, these competencies should be removed since it is purely administrative authorities that are responsible for their sanctioning. All of this is in favor of security as a guarantee of freedom and the right to police protection. On the side the administered, the sociological aspect associated with this procedure stands out, making administrative offense sanctions applied by these forces true police corrections.