Emergência de uma cultura sinfónica em Lisboa (1846-1911)

Abstract

A presente tese discute a sucessiva implementação de concertos de orquestra em Lisboa entre 1846 e 1911 e a complementar recepção e disseminação de discursos que fomentavam o culto e veneração das obras-primas dos mestres clássicos e de compositores modernos e contemporâneos como manifestação de gosto musical erudito, no sentido de asseverar a emergência de uma cultura sinfónica em Lisboa e as consequentes transformações à vida concertística portuguesa. Procura aferir que afinidades e idiossincracias caracterizaram a recepção da música sinfónica no periférico meio musical lisbonense: as obras e os compositores divulgados em Lisboa nesse período; outros repertórios concebidos, não estreados; a “sobrevivência” de antigas peças para orquestra de autores portugueses e a composição e estreia de novas obras sinfónicas nacionais e; as diferenciadas tendências de programação promovidas por maestros estrangeiros e portugueses. Discute ainda o pendor das noções e premissas de “obra musical”, da “veneração” e “não-trivialização” dos monumentos sinfónicos e de “sacralização do texto musical” na elaboração de programas e na adopção de específicas tipologias concertísticas, bem como a influência dos discursos e intuitos da crítica musical na programação dos concertos sinfónicos locais. No mesmo sentido, visa identificar as audiências desses mesmos concertos, asseverar a recepção das obras dos mestres e sinfonistas pela crítica e pelo público e apreciar o grau de rectificação do gosto (de “fracções”) do público lisbonense. Mediante o estudo das séries de concertos, bem como de outras ocorrentes tentativas, debatem-se os constrangimentos que ditaram o seu consecutivo fracasso; identificam-se os seus agentes (os profissionais e amadores, os connoisseurs e críticos, as orquestras, corporações, sociedades e outras instituições artísticas, as entidades governativas) e quais as suas relações no meio musical de Lisboa.

This thesis addresses the successive organization of orchestral concerts in Lisbon between 1846 and 1911 and the complementary reception and dissemination of discourses that fostered the veneration of orchestral masterpieces by classical masters and modern and contemporary composers as a manifestation of an elevated musical taste, to assert the emergence of a symphonic culture in Lisbon and the consequent transformations in Portuguese concert life. The affinities and idiosyncrasies that characterized the reception of symphonic music in the Portuguese capital are discussed: the works and composers performed in Lisbon during this period and others that have not premiered; the “survival” of old pieces for orchestra by Portuguese authors and the composition and premiere of new national symphonic works and the different programming trends initiated by foreign and Portuguese conductors. The tendency of the notions and premises of “musical work”, of “veneration” and “non-trivialization” of symphonic monuments and of “sacralization of the musical text” in the elaboration of programs and in the adoption of specific concert typologies, as well as the influence of the discourses and intentions of musical critics in the programming of symphonic concerts is adressed. This thesis discusses the reception of the works of the masters and symphonists by critics and the public and assesses the degree of rectification of the musical taste of some fractions of Lisbon’s audiences. Through the study of the series of symphonic concerts, as well as other attempted initiatives, the constraints that dictated their consecutive failure are debated. Its promoters are identified (professionals and amateurs, connoisseurs and critics, orchestras, corporations, societies and other artistic institutions, government entities), as well as their relations in Lisbon's musical scene.