Os Rituais do Cinema: as relações entre personagem e espectador nas narrativas do cinema contemporâneo

Abstract

Os rituais simbólicos como processo de subjetivação individual ou coletiva são uma evidência indiscutível da experiência humana, desde os primórdios. É e foi estudada em vários campos do conhecimento humano. Nos dias de hoje e no quotidiano prático de uma quantidade considerável (e em franco crescimento) de pessoas, identifica-se o exercício na forma de uma série de práticas rituais com fins de subjetivação individual positiva e empoderamento pessoal, seja no campo da holística, técnicas terapêuticas ligadas a um objeto narrativo, as chamadas técnicas de storytelling pessoal, entre outras. Práticas que começam a fazer parte de uma nova ideia sobre os ‘cuidados de si’, mas longe de pertencer à esfera oficial de cuidados acerca da psique humana, mais objetivamente ao universo da psicologia e psicanálise. Neste universo ficcional de histórias, estes atos rituais são utilizados, desde as histórias arquetipais até os dias de hoje, para proporcionar ou dar potência a uma ‘passagem’, uma mudança de estatuto ao protagonista ou uma qualquer personagem, na sua progressão narrativa da trama (plot) e na resolução dos conflitos humanos propostos. Por outro lado, através da sua participação afetiva ou da sua identificação, a transformação do espectador é iminente. Nesta apreensão de métodos e estratégias da personagem para a resolução dos seus próprios conflitos, o espectador progride na sua história de vida, agora com uma certa capacidade de libertar e orientar a intuição humana como se de um poder sobre-humano se tratasse, articulando através deste ‘ato ritual de dupla via’, uma nova visão sobre a sua própria forma de organizar a condição humana. O objetivo desta análise hermenêutica, desta genealogia sob molde foucaultiano, é fazer uma nova revisão a este grande ‘corpus’: do efeito que o cinema pode ter no espectador a relacionar este visionamento à uma prática ritual, seja através das suas características simbólicas, seja através do exercício de apreensão das narrativas que compõe o ato ritual da personagem como forma de buscar um certo elemento mágico para possibilitar a resolução do conflito.

Symbolic rituals as a process of individual or collective subjectivation are an indisputable evidence of human experience since ancient times. It has been studied in various fields of human knowledge. Nowadays, in the practical daily life of a considerable and steadily growing number of people, the exercise is identified in the form of a series of ritual practices for positive individual subjectivation and personal empowerment, whether in the field of holistics, therapeutic techniques linked to a narrative object, the so-called personal storytelling techniques, among others. Practices that are beginning to be part of a new idea about 'self-care,' but far from belonging to the official sphere of care for the human psyche, more objectively within the universe of psychology and psychoanalysis. In this fictional universe of stories, these ritual acts are used, from archetypal stories to the present day, to provide power to a 'passage,' a change of status to the protagonist or any character, in their narrative progression of the plot and in the resolution of proposed human conflicts. On the other hand, through their affective participation or identification, the transformation of the viewer is imminent. In this apprehension of methods and strategies of the character for the resolution of their own conflicts, the viewer progresses in their life story, now with a certain ability to free and guide human intuition as if it were a superhuman power, articulating through this 'ritual act of dual path,' a new vision of their own way of organizing the human condition. The objective of this hermeneutic analysis, of this genealogy under a Foucauldian mold, is to provide a new review of this extensive 'corpus': the effect that cinema can have on the viewer by relating this viewing to a ritual practice, whether through its symbolic characteristics or through the exercise of apprehending the narratives that make up the character's ritual act as a way of seeking a certain magical element to enable conflict resolution.