Literacia em Saúde e a Compensação da Diabetes: qual a relação?

Abstract

RESUMO - As pessoas com diabetes desempenham um papel relevante nos resultados do tratamento, através das escolhas e decisões que tomam diariamente. Sequencialmente, a literacia em saúde tem grande peso no quotidiano das pessoas com diabetes, uma vez que abrange as competências necessárias para gerir a doença e a saúde. Com a presente investigação pretendeu-se compreender o papel da literacia em saúde na compensação da diabetes, considerando as suas diferentes dimensões e o papel de variáveis individuais, interpessoais, comportamentais e ambientais. A fim de dar resposta a esta finalidade realizaram-se três estudos. No primeiro estudo, realizou-se a adaptação do questionário de Literacia em Saúde (Health Literacy Questionnaire) ao contexto português e foram analisadas as suas propriedades psicométricas com uma população com diabetes, por considerarmos que poderá contribuir para a compreensão das necessidades das pessoas em literacia em saúde. O segundo estudo, pretendeu-se identificar o valor explicativo das dimensões de literacia em saúde (HLQ) para a compensação da diabetes, sem ajustamento e quando ajustada pelas variáveis sociodemográficas, clínica e autocuidados na diabetes. No terceiro estudo, foi explorado o papel da autoeficácia e do ambiente de cuidados de saúde na relação entre a literacia em saúde e a compensação da diabetes. Para o primeiro estudo, a tradução e adaptação teve por base um rigoroso protocolo, enviado pela equipa responsável pelo HLQ. Os procedimentos sugeridos no protocolo, relativamente à tradução, retroversão, reunião de consensos com a equipa nacional e autores principais do HLQ, foram mantidos nas várias adaptações culturais do HLQ de forma a contribuir para obtenção de dados sólidos sobre a validade dos resultados obtidos. A versão portuguesa do HLQ e um questionário de caracterização clínica e sociodemográfica foram aplicados a pessoas com diabetes, seguidas numa unidade de cuidados especializados em diabetes. Participaram, 453 pessoas com diabetes, das quais 52,2% eram homens, 84,1% viviam acompanhadas, 47% eram reformadas e 51.7% tinha mais que o 9ºano de escolaridade. A versão portuguesa do HLQ mostrou propriedades psicométricas satisfatórias e está agora disponível para avaliar a literacia em saúde nas pessoas com diabetes. Nos dois estudos seguintes, os dados foram recolhidos através de um questionário eletrónico, enviado para pessoas com diabetes, acompanhadas na mesma unidade cuidados especializados em diabetes. Participaram 706 pessoas com diabetes, das quais 60,2% eram do sexo masculino, 83,9% viviam acompanhadas, 52,4% estavam empregadas e 84,7% tinha mais de 9 anos de escolaridade. No segundo estudo, focado na relação entre as dimensões de literacia em saúde e a compensação, foi realizada a regressão linear múltipla, tendo-se verificado valores mais elevados de literacia em saúde estão significativamente associados a níveis mais baixos de HbA1c. Este resultado verificou-se em todas as dimensões com exceção da dimensão 5 – Apreciação sobre a informação de saúde. Nos modelos ajustados para condições sociodemográficas e clínica observou-se para as dimensões 2 e 3, um aumento do efeito da literacia em saúde nos níveis de HbA1c e para as dimensões 1, 4, 6, 7, 8, 9 uma diminuição desse efeito. Ao incluir os comportamentos de autocuidados, em todas as situações observou se uma redução do efeito bruto da literacia em saúde na compensação da diabetes. No terceiro estudo, focado na análise do impacto da autoeficácia e o ambiente dos cuidados de saúde na relação entre a literacia em saúde e a compensação da diabetes. Quando realizada a analise de mediação com a variável autoeficácia, verificou-se que a literacia em saúde prediz significativamente a autoeficácia e a autoeficácia prevê os níveis de HbA1c. As dimensões de literacia em saúde deixam de ser preditoras dos níveis de HbA1c após controlar para o mediador autoeficácia, pelo que os resultados suportam a hipótese de existência de mediação. Em relação à análise de mediação com a variável ambiente dos cuidados de saúde (perceção que as pessoas têm relativamente ao grau em que os profissionais de saúde apoiam a sua autonomia), observou-se que literacia em saúde prediz significativamente o ambiente dos cuidados de saúde e a ambiente dos cuidados de saúde prevê os níveis de HbA1c. Verificou se que as dimensões de literacia em saúde deixam de ser preditoras dos níveis de HbA1c após controlar para o mediador ambiente dos cuidados de saúde, com exceção da dimensão 3 – Gerir ativamente minha saúde, em que a mediação foi parcial. Nos modelos com as dimensões 5, 6 e 8 não se verificou o primeiro pressuposto da mediação, ou seja, não predizem significativamente a HbA1c. A presente investigação vem reforçar a importância da literacia em saúde para a compensação da diabetes. Evidenciou o seu efeito preditor na compensação da diabetes e aprofundou o conhecimento sobre a relação entre as dimensões de literacia em saúde e a compensação da diabetes, dando a conhecer o papel mediador da autoeficácia e do ambiente dos cuidados de saúde nessa relação. Desta forma, com esta investigação ficou patente a importância de promover a literacia em saúde e a autoeficácia das pessoas com diabetes para a autogestão da sua doença, saúde e regime terapêutico. A autoeficácia envolve a noção sobre as próprias competências para conseguir os níveis de desempenho necessários para a gestão da diabetes. Para este efeito sugere-se que as pessoas com diabetes e os profissionais estabeleçam um relacionamento colaborativo, assente na relação de confiança, facilitador da comunicação e decisão informada, da participação ativa da pessoa com diabetes. Simultaneamente, considera-se relevante para a promoção da literacia em saúde, a qualidade e a clareza da informação sobre saúde que se encontra acessível à população. De notar o papel dos profissionais de saúde na transmissão dessa informação de uma forma clara e individualizada, sendo que a promoção da responsividade dos profissionais de saúde poderá ser determinante para que as pessoas com diabetes tenham níveis mais elevados de literacia em saúde, se sintam mais integradas nas equipas de saúde, naveguem com maior facilidade no sistema de saúde e que, desta forma, tenham resultados mais positivos e ganhos em saúde.

ABSTRACT - People with diabetes play a relevant role in treatment outcomes, through the choices and decisions made on a daily basis. Sequentially, health literacy has great relevance and influence in the daily lives of people with diabetes, since it encompasses the necessary skills to manage disease and health. The present study aimed at understanding the role of health literacy in diabetes control, considering its different dimensions and the role of individual, interpersonal, behavioural and environmental variables. In order to meet this purpose, three studies were conducted. In the first study, the Health Literacy Questionnaire (HLQ) was adapted to the Portuguese context and its psychometric properties were analysed with a population with diabetes, considering that it may contribute to the understanding of people's health literacy needs. The second study aimed to identify the explanatory value of the health literacy dimensions for diabetes compensation, without adjustment or when adjusted for sociodemographic, clinical and self-care variables in diabetes. In the third study, the role of self-efficacy and healthcare environment in the relationship between health literacy and diabetes compensation was explored. For the first study, the translation and adaptation was based on a strict protocol, sent by the team responsible for the HLQ. The procedures suggested in the protocol regarding translation, back-translation, consensus meeting with the national team and main authors of the HLQ were maintained in the various cultural adaptations of the HLQ in order to contribute to obtaining solid data on the validity of the results obtained. The Portuguese version of HLQ and a questionnaire of clinical and sociodemographic characterization were applied to people with diabetes followed in a specialized diabetes care unit. A total of 453 people with diabetes participated, 52.2% of whom were men, 84,1% lived with other people, 47% were retired and 51.7% had more than a 9th grade education. The Portuguese version of the HLQ showed satisfactory psychometric properties and is now available to assess health literacy in people with diabetes. In the next two studies, data were collected through an electronic questionnaire, sent to people with diabetes, followed up in the same specialised diabetes care unit. A total of 706 people with diabetes participated, of which 60.2% were male, 83.9% lived with a partner, 52.4% were employed and 84.7% had more than 9 years of schooling. In the second study, focused on the relationship between dimensions of health literacy and compensation, multiple linear regression was performed and it was found that higher values of health literacy are significantly associated with lower levels of HbA1c. This result was found in all dimensions, except for dimension 5 - Appraisal of health information. In the models adjusted for socio-demographic and clinical conditions, an increase in the effect of health literacy on HbA1c levels was observed for dimensions 2 and 3, and a decrease in this effect for dimensions 1, 4, 6, 7, 8, 9. When including self-care behaviours, a reduction in the raw effect of health literacy on diabetes compensation was observed in all situations. The third study focused on analysing the impact of self-efficacy and the healthcare environment on the relationship between health literacy and diabetes compensation. When the mediation analysis with the self-efficacy variable was performed, it was found that health literacy significantly predicts self-efficacy, and self-efficacy predicts HbA1c levels. Health literacy dimensions cease to be predictors of HbA1c levels after controlling for the mediator self-efficacy, so the results support the hypothesis of the existence of mediation. In relation to the mediation analysis with the variable health care environment (people's perception of the extent to which health care professionals support their autonomy), we found that health literacy significantly predicts health care environment and health care environment predicts HbA1c levels. Health literacy dimensions were found to no longer be predictors of HbA1c levels after controlling for the mediator healthcare environment, with the exception of dimension 3 - Actively managing my health, where mediation was partial. In the models with dimensions 5, 6 and 8, the first condition of mediation was not verified, i.e. they do not significantly predict HbA1c. The present research reinforces the importance of health literacy for diabetes compensation. It evidenced its predictive effect on diabetes compensation and deepened the knowledge on the relationship between the dimensions of health literacy and diabetes compensation, showing the mediating role of self-efficacy and the healthcare environment in this relationship. Thus, this research revealed the importance of promoting health literacy and self-efficacy in people with diabetes for self-management of their disease, health and treatment regimen. Self efficacy involves the notion of one's own competencies to achieve the levels of performance required to manage diabetes. To this end, it is suggested that people with diabetes and professionals establish a collaborative relationship based on trust, facilitating communication and informed decisions, and the active participation of the person with diabetes. At the same time, the quality and clarity of the health information available to the population is considered relevant to the promotion of health literacy. The role of health professionals in transmitting this information in a clear and individualized way should be noted, and the promotion of the responsiveness of health professionals may be determinant for people with diabetes to have higher levels of health literacy, feel more integrated into the health teams, navigate the health system more easily and, thus, have more positive outcomes and health gains.