Resgates da câmara: Intimidade e unidade de espaço no cinema de ficção narrativo

Abstract

Esta tese resulta de um estudo sobre um tipo minoritário de cinema dentro da ficção narrativa: o cinema em unidade de espaço, que designamos como ‘single-set’. Partindo do entendimento da unidade de espaço, pertencente às três unidades dramáticas, como principal impulsionador de criação cinematográfica, procuramos analisar este tipo de cinema através da sua natureza espacial, por forma a tentar extrair-lhe a essência quer das suas estratégias estéticas, quer da sua condição enquanto forma de representação das questões da intimidade. A ausência de estudos mais sistémicos, críticos e exaustivos sobre esta muito particular questão cinematográfica convoca-nos a um esforço de resgate da importância e potencialidade histórica e investigativa deste cinema. Como elemento preponderante e agregador de todas estas problemáticas, o conceito de câmara será invocado como medida de inscrição artística dos valores associados, de uma forma geral, à intimidade espacial antropológica, que serve como principal vetor de análise ao ‘single-set’. Tal como a ausência de estudos ao ‘single-set’, também a câmara enquanto conceito potenciador carece de algum tipo de postulação e exposição da sua natureza, fator que nos leva a enveredar por um percurso que intenta indagar a sua origem antropológica, através de análises às caraterísticas dos espaços da vida privada, nomeadamente à evolução dos conceitos de privacidade e intimidade, desaguando na compreensão burguesa da câmara, que rapidamente será utilizada para influir determinadas formas artísticas. Assim, o historial crítico da câmara e das artes que lhe estão associadas servirá como alicerce ao estudo do ‘single-set’, que pretendemos agregar às práticas artísticas sob a égide de câmara, nomeadamente a música de câmara e o teatro de câmara, relevando-lhes a sua natureza interior e intimista, num quadro de análise que comporta uma tentativa de resgate historiográfico de mapear a evolução (no espaço e no tempo) do ‘single-set’, e mais especificamente os estudos de caso a três autores deste cinema (Nikos Nikolaidis, Manoel de Oliveira e Ettore Scola), cuja importância de câmara não tem sido devidamente tida em conta, sobretudo a maneira recorrente e inventiva como a criam e reinventam de acordo com as suas respetivas poéticas. No interstício deste estudo, impõe-se uma inquietação relativa à problemática de câmara, desta feita numa perspetiva contemporânea, corporizada pela mitologia do snuff, cuja natureza obscura, remetendo para um outro caminho de investigação também largamente inexplorado, põe em crise a própria ôntica do cinema e das caraterísticas identitárias do ‘single-set’ (nomeadamente a intimidade), representando o paroxismo da ética nas imagens em movimento.

This thesis is the result of a study of a minoritarian kind of cinema within the narrative fiction film: cinema with unity of place, which we designate as ‘single-set’. From the understanding of unity of place (one of the three dramatic unities) as a main element of filmic creation, we seek to analyze this type of cinema through its spatial nature, to try to extract the essence of its aesthetic strategies, as well as its condition as a form of representation of intimacy. The absence of systemic, critical, or exhaustive studies on the ‘single-set’ takes us on an effort to rescue the importance as well as the historical and investigative potentialities of this type of cinema. As the main aggregative element to these problematics, the concept of chamber will be invoked as a mode of artistic inscription of the values that are generically associated with anthropological spatial intimacy, serving as the main analytic tool to address the ‘single-set’. Mirroring the absence of studies on the ‘single-set’, the chamber as a potential concept also lacks any kind of postulation or exposition about its nature, leading us on a path in order to inquire about its anthropological origin, analyzing the characteristics of the spaces of private life, namely the evolution of the concepts of privacy and intimacy, concluding with the bourgeois understanding of the chamber, which will then be swiftly used to pervade certain forms of art. Hence, the critical history of the chamber (and the arts associated with it) will serve as a foundation for the study of the ‘single-set’, which we intent to assemble along with the artistic practices under the aegis of the chamber, namely the chamber music and the chamber play, highlighting its interior and intimate nature, in an analytic framework that includes an historiographic recue to map the evolution (in space and time) of the ‘single-set’, and specifically the case-studies of three filmmakers (Nikos Nikolaidis, Manoel de Oliveira and Ettore Scola), whose importance to the ‘single-set’ has not been properly noted or explored, especially the recurrent and inventive way in which they create and reinvent the chamber aspect according to their respective poetics. In the interstice of this study, a contemporary, chamber-related concern arises with the mythology of snuff, whose obscure nature, which also points to yet another largely unexplored research path, throws cinema as well as several identity aspects of the ‘single-set’ (namely intimacy) into crisis, while representing the paroxysm of ethics in moving images.