As Cartas dos Leitores na Imprensa Portuguesa: uma Forma de Comunicação e Debate do Público

Abstract

Constituindo-se como um espaço através do qual os leitores podem expressar-se sobre os mais diversos temas, as cartas dos leitores contêm, em si mesmas, potencialidades inequívocas ao nível do alargamento da comunicação e debate públicos. As teorizações sobre os conceitos de espaço público, democracia deliberativa ou responsabilidade social dos media são, pois, aqui assumidas como bases de sustentação fundamentais para uma reflexão que se pretende abrangente acerca do papel que as contribuições do público podem desempenhar no contexto das sociedades democráticas. Na imprensa, as secções de correspondência são configuradas por um conjunto de regras informais definidas pelas publicações, que conferem uma especificidade ao tipo de vozes e temáticas que aí acedem e, consequentemente, adquirem visibilidade pública. Para estudar a forma como a voz dos leitores é enquadrada na imprensa portuguesa e o relacionamento que se estabelece entre esta última e os seus destinatários, centrámos a nossa investigação nas rubricas de cartas dos leitores de quatro publicações impressas portuguesas de âmbito nacional (três jornais e uma newsmagazine), mobilizando diversas metodologias, quantitativas e qualitativas, que nos possibilitassem não só uma compreensão mais profunda sobre o processo de selecção dos textos dos leitores, seus temas predominantes e estilos discursivos, mas também acerca das percepções que, quer a imprensa, quer o público, evidenciam sobre as funções do espaço de correspondência e, ainda, as motivações que estão na origem da procura de uma intervenção pública, na escrita de uma carta do leitor. O contacto alargado com as redacções, a análise de conteúdo das cartas, as entrevistas com directores/provedores do leitor e os questionários com os leitores-escritores de cartas permitiram-nos, assim, inferir que a secção das cartas dos leitores, enquanto dispositivo de participação do público, é construída de acordo com práticas e valores orientadores da actividade jornalística em geral, que acarretam consequências neste espaço público de comunicação, nomeadamente, no que respeita à extensão, alinhamento e edição dos textos, bem como ao nível dos seus intervenientes. Identificámos, ainda, algum cepticismo e desvalorização do espaço das cartas por parte dos profissionais das redacções em análise, o que contrasta com a perspectiva idealizada que os mesmos demonstraram no que respeita às funções a desempenhar pelas cartas dos leitores. Por outro lado, verificámos que uma parte bastante significativa de leitores-escritores procura manifestar-se acerca de temas que considera como relevantes em termos do seu interesse colectivo, tendo, assim, a expectativa de que as suas participações sejam seleccionadas pelas publicações impressas, para, dessa forma, ganharem uma intervenção mais efectiva no debate público.

Letters-to-the-editor constitute a domain enabling readers to comment on a large diversity of issues, and thus enclose unambiguous possibilities of public communication and debate. Herein, theoretical frameworks behind the concepts of public sphere, deliberative democracy, and media accountability, are assumed as fundamental bases for a thorough reflection on the putative role played by readers‟ comments in democratic societies. In the press, individual newspapers define sets of informal rules that specify which participating readers and themes will make it to the public eye. In order to study the way in which readers‟ opinions are configured in the Portuguese press, and how the latter relates to its audience, we focused our study on the readers‟ letters section of four nationwide publications (three newspapers and a newsmagazine). We used various quantitative and qualitative methods to gain a thorough understanding not only of the selection process behind the printed texts, and their prevailing themes and discursive styles, but also of press and public‟s perceptions of the role played by the correspondence section, and the motivations behind the reader‟s intent of public participation when composing a letter-tothe-editor. Through extensive interaction with newspapers offices, content analysis of readers‟ letters, interviews with editors-in-chief and ombudsmen, and through questionnaires to readers-writers, we concluded that readers‟ letters sections are instruments of public participation structured in accordance with the general values and practices that guide journalistic activity. These principles determine the size, alignment and editorial treatment of the texts, as well as the characteristics of the participants in this public domain of communication. Also, we found that journalists in the newspapers offices analysed undervalued and were somewhat sceptical about letters sections, an attitude that was in contrast with their idealised view of the roles played by readers‟ letters. On the other hand, we observed that a significant proportion of readers-writers express themselves about themes they consider relevant to the public interest, with the expectation that their comments will be selected for print, thus attaining a more effective participation in the public debate.