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Título: "Passing" na literatura norte - americana: de narrativas de transgressão da linha da côr a locus de questionamento sobre a construção identitária
Autor: FIGUEIRA, ANA MARIA DA LUZ NUNES
Orientador: Botelho, Teresa
Palavras-chave: Literatura de passing
Identidade racial
Fluidez identitária
Brancura
Negrura
Passing literature
Racial identity
Identity fluidity
Whiteness
Blackness
Data de Defesa: 24-Set-2020
Resumo: A existência de uma inflexível linha de fronteira racializada, nos Estados Unidos da América, tem sido um dos aspetos mais marcantes da história do país, praticamente desde o seu início: a dureza da ocupação e, sobretudo, do desbravamento e exploração do vasto território, incentivariam as potências colonizadoras a recorrer ao trabalho escravo em larga escala, num empreendimento que assentou na formação de um conceito negativo e desumanizador da identidade das populações escravizadas – uma imagem diametralmente oposta à criada pelo conceito de supremacia do legado fenotípico, espiritual e cultural europeu, que a maioria racial entendia definir a sua própria identidade, e que sancionaria moralmente a exploração dos africanos sequestrados e dos seus descendentes. Numa sociedade que muito cedo construiu uma dicotomia rigidamente hierarquizada em função de um conceito de raça fundamentado na biologia, a fronteira racial – a “linha da cor”, na formulação de W. E. B. Du Bois – garantia, segundo a perspetiva da maioria branca, que os campos racializados da brancura e da negrura não só se manteriam afastados, como conservariam intactas as características físicas e culturais que conferiam ao primeiro o seu estatuto de superioridade e ao segundo o de inferioridade. Todavia, gerações de miscigenados, frutos sobretudo do abuso sexual das escravas, viriam a revelar a fragilidade daquela fronteira, passível de ser transposta por indivíduos sem vestígios visíveis da ancestralidade negra. No panorama cultural dos Estados Unidos, e durante um longo período, a literatura de passing espelhou este comportamento social, dando voz, em narrativas ficcionais e não ficcionais, aos dilemas e expectativas dos protagonistas de transgressões da histórica “linha da cor” e ao empenhamento cívico dos seus autores nas causas do abolicionismo, primeiro, e da promoção da igualdade racial, mais tarde. Todavia, a consagração, nas leis do país, da igualdade de direitos para todos os cidadãos, a par da democratização das relações raciais que ocorreu gradualmente ao longo do século XX, tornaria cada vez mais raros os relatos centrados na violação daquela fronteira – que no limiar do século XXI, no entanto, surge representada em narrativas ficcionais cujos contextos são inspirados no ambiente multicultural dos Estados Unidos da América. Neste trabalho, serão discutidas quatro obras representativas do ressurgimento do tropo de passing racial na literatura norte-americana contemporânea – The Human Stain (2000), de Philip Roth, Caucasia (1998) e Symptomatic (2004), de Danzy Senna e a peça Yellow Face (2007), de David Henry Hwang; este conjunto de textos constitui o corpus primário de uma investigação que tem por objetivo compreender que novas problemáticas de cruzamento de fronteiras identitárias são propostas, em contextos muito diferentes dos representados nas narrativas clássicas. Esta pesquisa alicerça-se num aparelho teórico que estabelece a contextualização da formação e evolução dos conceitos de raça e etnicidade e a sua articulação com diversos paradigmas de convivência de grupos sociais na sociedade norte-americana, e num estudo da tradição literária das narrativas de passing racial que os textos contemporâneos invocam e reinventam; os resultados da investigação provam que, inspiradas nos relatos clássicos de transgressão da “linha da cor” mas recorrendo a um novo protocolo de passing, adaptado às realidades contemporâneas, as quatro obras do corpus primário, discutidas nos capítulos três e quatro, interrogam a ontologia da identidade e a construção identitária, justificando o título selecionado para este trabalho.
The existence of an impassible racial barrier in the United States of America has been one of the most striking aspects of the country’s history, practically since its inception: the harshness of the occupation and, above all, of the vast territory’s clearing and exploration would encourage the colonizing powers to resort to slave labor on a large scale – an enterprise inseparably linked to the construction of a negative and dehumanizing image of the enslaved populations’ identity; diametrically opposed to the supremacy concept of the European phenotypical, spiritual and cultural legacy that the racial majority believed to be the definition of their own identity, the extremely unfavorable concept of blackness would morally sanction the exploitation of the abducted Africans and their descendants. In a society that very early constructed a rigidly hierarchized dichotomy based on a biological concept of race, the racial border – the “color-line” in WEB Du Bois’s formulation – ensured, according to the hegemonic majority’s perspective, that the racialized fields of whiteness and blackness would not only be kept apart, but would also preserve intact the physical and cultural characteristics which gave the former its status of superiority, and the latter that of inferiority. However, generations of mixed-race people – mostly a consequence of the female slaves’ sexual abuse by white owners – would expose the weakness of that frontier, which could be crossed by individuals without visible signs of black ancestry. In the United States cultural landscape, and for a long period, passing literature mirrored this social behavior, voicing, in fictional and nonfictional narratives, the dilemmas and expectations of color-line passers, as well as their authors’ civic commitment to the causes of abolitionism, first, and the promotion of desegregation, later. The consecration of racial equality in the country’s laws and the democratization of race relations that gradually occurred throughout the twentieth century would lead to the almost complete disappearance of reports centered on color-line transgressions – which, however, surface again in fictional narratives published on the threshold of the 21st century, in contexts inspired by the United States multicultural environment. This work discusses four novels representative of the passing trope resurgence in contemporary American literature – The Human Stain (2000), by Philip Roth, Caucasia (1998) and Symptomatic (2004), by Danzy Senna, and the play Yellow Face (2007), by David Henry Hwang; this set of texts constitutes the primary corpus of an investigation aimed at understanding what new problematizations of identity borders trespassing are proposed, in contexts significantly different from those represented in classic passing reports. This study is based on a previous survey, described in its first two sections: chapter one focuses race and ethnicity concepts formation and evolution and their articulation with the most influent paradigms of social groups interaction; chapter two describes the historical establishment of the passing narratives tradition, which is invoked and reinvented in contemporary works. The results of the research prove that, inspired by classic reports of color-line transgressions but using a new passing protocol, adapted to contemporary realities, the four texts discussed in chapters three and four interrogate identity ontology and construction, justifying the title selected for this work.
URI: http://hdl.handle.net/10362/107861
Designação: Línguas, Literaturas e Culturas
Aparece nas colecções:FCSH: DLCLM - Teses de Doutoramento

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